02 10 25
Enquanto Isso
02 10 25
Enquanto Isso
A Constituição Observa
I
Acordei com o país na garganta
e um ministro na televisão
a toga tremia no verbo
mas não tremia na mão
II
Fux jogava futevôlei em silêncio
enquanto a Constituição, sentada,
olhava o campo da vergonha
com a alma desamparada
III
O voto não era voto
era fuga em latim
um biombo de palavras
pra esconder o que há de ruim
IV
Não julgou o golpe, julgou o foro
não viu o crime, viu o atalho
não enfrentou o abismo
preferiu mudar o baralho
V
Craque de Ipanema, juiz de areia
malandro de toga, sorriso de meia
decidiu não decidir
e proibiu que se decidisse
VI
A História, que não dorme
anota em silêncio o escárnio
não há brocado que salve
o que se escreve no armário
VII
Não é defesa de homem
é defesa de causa estrangeira
fala Fux, mas ecoa Trump
fala Fux, mas soa bandeira
VIII
A Constituição, traída
não grita, mas observa
o país, em sua nudez
vê a toga que não conserva
IX
O voto se arrasta em floreios
como serpente em vitrine
mas o veneno não é técnico
é político, é sublime
X
Não há glória no gesto
há deserção com verniz
o ministro que se protege
não protege seu país
XI
Será vencido, será só
mas servirá aos futuros embates
onde a farsa se repete
com novos nomes, novos trastes
XII
E quando a esperteza engolir o esperto
como sempre faz no final
a peruca cairá no chão
junto ao Manual do Cara de Pau
Ronalth
Setembro2025
03 09 25
Denúncia
No fundo escuro do mar
um colosso de aço e silêncio
rasga as águas sem aviso.
Propulsão nuclear, serpente sem som,
anunciada em Caracas, acusada
na mesa das Nações Unidas.
Vozes urgem por um gesto:
que o Brasil, irmão inquieto,
ergue a bandeira da palavra
contra a Tlatelolco rasgado—
aquele pacto de 1967,
juramento à desarma nuclear.
Mas nesse canto do mundo
há receio no Planalto:
denunciar o gigante do Norte
é afiar a lâmina da disputa,
é soprar chama no vento
de tarifas e retaliações.
E o submarino desliza,
fantasma de Paulo Afonso a Itaguaí,
silhueta de potência
que desafia juramentos.
Quem defende o tratado hoje
acorda o pesadelo da guerra.
Ó Brasil, poeta silencioso,
ergue a voz antes que o mar
engula inteiro o seu testemunho.
O pacto jaz, ferido, clamando
por um coração desprendido
que se diga irmão, e não fantoche.
Que a reticência se rompa
como o casco do monstro atômico,
e então possamos cantar juntos
a promessa de uma região livre
dos infernos forjados no abismo.
Ronalth
01 09 25
O Eco que Mora no Outro
Não é estar junto,
é caber no silêncio do outro
como quem encontra
a própria voz
numa boca alheia.
Pertencer não é convite,
é reconhecimento.
É quando o olhar do outro
não nos mede,
mas nos entende.
Há lugares que nos aceitam,
mas não nos acolhem.
Há pessoas que nos cercam,
mas não nos tocam.
E há instantes raros
em que o mundo parece
nos chamar pelo nome.
Pertencer é isso:
não é estar na festa,
é dançar com o coração leve,
sem medo de tropeçar.
É quando o que somos
não precisa se esconder
nem se explicar.
É quando o eco da alma
bate no peito do outro
e volta inteiro.
Ronalth
18 08 25
Silêncio por Gaza
Não há sinal.
Não há som.
Não há mundo.
Há ruínas.
Caminho entre escombros como quem procura
um resto de voz,
um fiapo de rede,
um sopro de humanidade.
Não é fuga.
É testemunho.
Porque morrer sem ser ouvido
é morrer duas vezes.
Gaza está muda.
Mas não é silêncio,
é sufocamento.
É o grito que não atravessa o cabo cortado.
As bombas não cessam.
Bombardeiam a fome.
Bombardeiam o gesto.
Bombardeiam o tempo de esperar.
E os que esperam?
morrem.
E os que correm?
morrem.
E os que falam?
são calados.
A internet era o último suspiro.
Não era luxo.
Era prova.
Era sangue digital correndo por fios.
Agora, na escuridão,
massacram sem consequência.
Sem imagem.
Sem eco.
Mas eu,
com um sinal fraco,
como um moribundo que encontra uma chama,
envio esta mensagem.
Não para ser salvo.
Mas para dizer:
estamos vivos.
E se você lê,
lembre-se:
caminhamos pelo fogo para nos manifestar.
Não ficamos em silêncio.
Fomos silenciados.
Às 21h, desligue.
Desligue tudo.
Por trinta minutos,
faça do seu silêncio um grito.
Porque o silêncio também é resistência.
Porque o silêncio também é memória.
Porque o silêncio também é Gaza.
Ronalth
A Arte de Envelhecer
17 08 25
Envelhecer não é para os fracos,
mas tampouco é para os apressados.
É preciso ter tempo,
tempo de sobra para perder os medos,
para esquecer os nomes que não importam,
e lembrar os rostos que ficaram.
O espelho já não mente,
mas também já não fere.
Ele apenas sussurra:
“Veja, você ainda está aqui.”
E isso, meu caro, já é um milagre.
A juventude partiu com seus saltos altos,
com suas urgências e suas vaidades.
Mas deixou, como quem esquece um casaco,
um pouco de esperança no cabide da alma.
Agora, os passos são mais lentos,
mas não tropeçam mais em ilusões.
O adeus já não dói,
é só uma vírgula no poema da vida.
Envelhecer é como escrever com lápis macio:
a letra falha, mas o sentido é mais bonito.
É descobrir que a beleza nunca foi o rosto,
mas o riso que ficou depois da lágrima.
E no fim, quando tudo parece silêncio,
há uma música suave no coração:
a melodia das histórias que ninguém viu,
mas que você viveu,
e isso, sim, é eternidade.
Ronalth
16 08 25
Vergonha nos Bastidores
No campo verde onde o sonho se anuncia,
Ecoa um grito de dor e amargura.
Nosso mestre sofreu traço de covardia,
No cerne do clube, despediu-se na tortura.
“Se eu fosse o Paz”, confesso a agonia,
“Nem teria coragem de enfrentar a loucura”.
E se fosse o Vojvoda em seu banco a reinar,
Nem Marinho, Deyverson ou Diogo Barbosa quis enfrentar.
Sem voz para denunciar o que viu a conspirar,
Escondeu a coragem, não ousou sequer falar.
De volta ao gramado não ousaria pisar,
Tropeçava na dúvida, sem vontade de lutar.
Sob o rumor denso desce a névoa do segredo,
Sussurra-se que houve acordo na calada.
Um trato escondido, oculto ao nosso enredo,
Entre paredes frias foi selada a jornada.
Fica o torcedor sem conhecer o enredo,
Preso à desilusão dessa história calada.
Vergonhosa manobra, ato de ingratidão,
Fizeram com ele o que honra não aceita.
Nosso melhor treinador caiu em contradição,
Roubada a confiança, restou a meta desfeita.
Que a lembrança viva sua fiel atuação,
E faça tremer quem a dignidade não respeita.
Que a justiça retorne em luz e proclamação,
Restituindo ao clube o calor de seu abrigo.
Que o mestre regresse em justa redenção,
E traga de volta o sorriso antigo.
Torcedor valente, ergue o grito e a canção,
Para que o sentimento supere o castigo.
Ronalth
12 08 25
Quando o Amor Chega
O amor não bate à porta,
ele entra pela janela,
desarruma os móveis da alma
e planta flores onde havia cautela.
Vem com asas suaves,
mas traz espinhos escondidos.
Faz do peito um jardim,
e às vezes, um campo de feridos.
Não pede licença,
não segue roteiro.
O amor é um pássaro sem mapa,
voando entre o céu e o travesseiro.
Ele coroa com luz,
mas também crucifica.
Nos leva ao alto dos sonhos
e à raiz que se explica.
Nos debulha como trigo,
nos peneira com paciência,
nos molda com ternura,
nos leva ao fogo da essência.
E quando pensamos que é só alegria,
ele nos ensina a dor que purifica.
Mas quem ama de verdade
sabe que até a lágrima edifica.
O amor não quer posse,
nem quer ser possuído.
Ele é inteiro, é livre,
é um mistério vivido.
Não digas: “Deus está no meu coração”,
mas sim: “Eu estou no coração de Deus.”
Pois o amor, se digno te achar,
te levará por caminhos seus.
E se desejares algo do amor,
que seja cantar como um riacho,
sentir a dor com alegria,
e dormir com um verso no cacho.
Ronalth
09 08 25
Tempo de Vozes Vazias
Estamos no tempo
em que as palavras se vestem de outras,
como máscaras em baile sem música.
Ditadura se chama democracia,
censura vira proteção,
e o progresso?
ah, o progresso,
é só uma coleira mais brilhante.
As identidades,
antes abrigo,
viraram trincheiras.
E o debate?
Campo minado,
onde cada passo é explosão
e cada silêncio, suspeita.
Aqui e alhures,
ninguém pergunta mais:
“Quem fala?”
“Por quem?”
“Com que direito?”
A voz perdeu o rosto.
O rosto, a história.
E a história,
o sentido.
Resta o eco,
vago,
de uma pergunta esquecida
num tempo que já não escuta.
Ronalth
Agosto 2025
09 08 25
Mourão
A sentinela de um poeta
silêncio.
um sino trêmulo treme, toca;
a tristeza saltita
palpita e grita no peito de alguém
desconhecido e só no velório de mim;
um breve sopro de brisa balança
as folhas que sobram dos telhados;
uma gota d'água despenca de uma folha que voou;
a torre da igreja se esconde dos prédios;
não se sabia de onde vinham as batidas
agora dispersas...
o sino palpita, gemendo de dor e pena de mim.
enfim, o velho caixão, ainda aberto,
fecha-se sobre mim...
antes, uma lágrima estranha me molha os lábios;
atrevidamente espera um aperto ao menos de dor...
calam-se os sinos, cerram-se os lábios...
a cova fechou...
há pena de mim; em mim há glória.
minha glória será assim? (Valdemir Mourão. Ceia Literária 5. O lago das vozes).
02 10 25 Enquanto Isso Enquanto o povo bebe veneno na água disfarçada de álcool, o governador sorri de barriga cheia na casa do condenado....