25 03-18
O escritor brasileiro Machado de Assis rompe com o idealismo romântico de toda uma geração de escritores (por exemplo José de Alencar) e inagura uma outra escola literária: o realismo.
Mas, além desse mérito, ele também é conhecido como o mestre da ironia, recurso do qual usa e abusa na msmaioria de suas histórias.
"A Ironia que Desliza como um Fio de Navalha em Machado de Assis
Poucos escritores dominaram a arte da ironia com a sofisticação e a precisão de Machado de Assis. Se a ironia, no senso comum, é apenas um jogo de inversões e ambiguidades, nas mãos do Bruxo do Cosme Velho ela se transforma em um bisturi afiado, capaz de dissecar, sem piedade, os abismos da alma humana. Como um fio de navalha, sua ironia não apenas corta, mas expõe, revela e desmascara.
Em Machado de Assis, a ironia não é gratuita nem superficial. Ela não se limita à zombaria ou ao sarcasmo vulgar; ao contrário, trata-se de um artifício engenhoso, que questiona as ilusões do homem sobre si mesmo e sobre o mundo. Diferente de um riso estridente, a ironia machadiana é um sorriso discreto, uma torção sutil na linguagem, uma revelação que se insinua, permitindo ao leitor perceber a fragilidade da condição humana.
O exemplo mais emblemático dessa ironia encontra-se em Memórias Póstumas de Brás Cubas, romance em que o protagonista, já morto, narra sua própria trajetória sem a menor preocupação com juízos morais. Brás Cubas é um morto que ri da vida, que desdenha das convenções sociais e que, ao contar sua história, desconstrói o ideal romântico do herói virtuoso. Sua ironia não é apenas um escudo contra a hipocrisia alheia, mas uma confissão implícita de sua própria mediocridade. Ele se vangloria de não ter deixado filhos para perpetuar a miséria da existência, mas seu orgulho revela, na verdade, um vazio existencial que nem a ironia consegue preencher.
Outro aspecto essencial da ironia machadiana está na manipulação do leitor. O autor, frequentemente, insere narradores não confiáveis, figuras que acreditam estar no controle da história, mas que, ao exporem suas contradições, tornam-se presas do próprio discurso. Bentinho, em Dom Casmurro, representa essa técnica com maestria: convencido de que Capitu o traiu, ele nos conta sua versão com tanta veemência que, ao final, ficamos incertos sobre o que é verdade e o que é ilusão. A ironia, nesse caso, não está apenas nas palavras, mas na estrutura narrativa, que nos desafia a discernir o que, de fato, aconteceu.
Ao deslizar como um fio de navalha, a ironia de Machado não apenas ridiculariza, mas revela verdades incômodas. Ela desmonta o idealismo ingênuo, questiona a moralidade postiça e expõe a mesquinhez humana em sua plenitude. Mais do que um artifício estilístico, é uma lente através da qual vemos o mundo sem os filtros da conveniência. Por isso, sua literatura permanece tão atual: porque continua a rir da vaidade humana, e esse riso, embora discreto, tem a potência de um golpe fatal." (Oliver Harden)
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