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quinta-feira, junho 05, 2008

Por que jogamos na loteria?

Hoje na Folha de S.Pauloequilíbrio


Matemáticos e economistas adoram fazer tabelas com as chances de investimentos darem certo ou errado e dizem que devemos usá-las para tomarmos decisões racionalmente. Faz sentido, é claro. Só não funciona na prática -porque o ser humano teima (felizmente!) em não se guiar apenas pela razão.

Por exemplo: diz a matemática financeira que devemos sempre aceitar qualquer divisão, de prêmios ou balas, que nos for ofertada. Mesmo as injustas: afinal, qualquer coisa no bolso é melhor do que um bolso vazio. No entanto, ofertas injustas despertam protestos do córtex da ínsula, aquela parte do cérebro que sinaliza desgosto e repulsa. Se a ínsula fala alto o suficiente, seus protestos ganham das tendências racionais -e acabamos por recusar uma oferta que, racionalmente, deveríamos ter aceito.

Loterias são exemplos divertidos do oposto: situações em que a razão manda não fazer investimento algum, pois a chance de retorno é ínfima. A própria Caixa deixa bem claro em seu site: a chance de um apostador da Mega-Sena jogar em seis números e acertar todos os seis em um concurso qualquer é de 1 em 50 milhões.

Dito de outra forma, quem faz um jogo tem 49.999.999 chances em 50 milhões de apenas ficar R$ 1,50 mais pobre. O córtex pré-frontal toma nota e vota -racionalmente- por guardar o R$ 1,50 no bolso. Mas outra parte do cérebro pensa em outra coisa: quão bom seria ganhar o prêmio? Por mais que seja improvável, o evento de um prêmio de vários milhões de reais certamente seria razão de grande euforia e de muitas coisas desejáveis -casa própria, carro, segurança. O sistema de recompensa, que sinaliza para o restante do cérebro o que tem chances de dar bons resultados, também toma nota e dá seu voto.

Quem toma a decisão, no final das contas, parece ser uma região no centro do córtex pré-frontal, que pesa os possíveis custos (quanto a ínsula se importa de perder R$ 1,50) e benefícios (quanto o sistema de recompensa gostaria do prêmio). Pelo jeito, essa parte do cérebro de cerca de 2 milhões de brasileiros entende a cada concurso que R$ 1,50 é um custo baixo para concorrer à chance, mínima, mas real, de ganhar uma bolada.
Se fôssemos puramente racionais, nunca apostaríamos na Mega-Sena -e, como o prêmio vem da arrecadação com as apostas, não haveria prêmios milionários a dividir entre improváveis ganhadores. Afinal, certo mesmo é o seguinte: quem não joga na loteria tem 100% de chances de não ganhar!



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SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (Editora Sextante) e do site O Cérebro Nosso de Cada Dia
www.cerebronosso.bio.br
suzanahh@folhasp.com.br


"Se fôssemos puramente racionais, nunca apostaríamos na Mega-Sena"

Um comentário:

Cabeça de poeta disse...

Notável a explicação. Quando li admirável mundo novo, do Huxley, imaginava que ali estava a solução para o sêr humano e consequentemente para o mundo, com o Soma a droga sem efeitos colaterais, a da felicidade. Falaram há alguns anos atrás do Prozac, mas a tal droga, tinha uma lista de efeitos colaterais que dava para preencher um rolo de papel higiênico, dos dois lados. Vou dizer só um, para os homens: libido zerada. Que felicidade? Enfim, doença é doença, estresse é causa, traição, desemprego, lixo, televisão e jornais sensacionalistas tb, mas uma boa conversa jogada fora, um violão e uma cachacinha de leve, trazem a felicidade sim, desde que se tome cuidado de estabelecer os intervalos de recuperação do velho "figueiredo". Agora esse negócio de racional, é m...pura, não se vive, coisa de robotização, não é humano. O bom é o vale- tudo, onde se cresce, e na verdade é só fazer boas escolhas, sair da bolha e permanecer humano. Na verdade, o que falta é vergonha geral, educação, ficha- limpa, e aí todos empregados, país rico, e todos bem, porque o ambiente já é dez, sol, praia, e blá, blá, blá...Freud pode até explicar mas nunca resolveu.